Em contraponto a pressões de escritórios de advocacia, com o apoio de parlamentares, a Receita considera que mudanças na lei de repatriação de ativos não aumentariam a arrecadação e gerariam insegurança jurídica. Na avaliação do órgão, o efeito seria o contrário, diminuindo o valor a ser recebido pelo governo em troca da anistia de penas por crimes de evasão de divisas, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal e falsificação de dados. A Fazenda chegou a admitir a possibilidade de discutir mudanças na legislação, principalmente sobre o valor que deve ser tributado: se o saldo dos ativos no exterior em 31 de dezembro de 2014 ou também sobre bens e recursos vendidos antes dessa data. A lei manda tributar os dois. Após reunião com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para tratar do tema, o ministro Henrique Meirelles (Fazenda) disse, porém, que o governo não irá apoiar nenhuma mudança na lei. O argumento de interessados na alteração sobre o valor a ser tributado é o seguinte: o saldo dos ativos no final de 2014 em alguns casos pode não ser suficiente para pagar toda a multa e o Imposto de Renda sobre bens e recursos que foram gastos pelos proprietários anteriormente. Isso, segundo o raciocínio, faria com que essas pessoas não aderissem ao programa. E, caso o governo optasse por tributar apenas o saldo em dezembro de 2014, a adesão seria maior, elevando a receita com a repatriação de ativos. Essa tese chegou a ganhar o apoio de setores do governo Temer, que pediram à Fazenda que analisasse possíveis revisões na legislação. A decisão, porém, foi contrária. Na opinião da Receita, tributando apenas o saldo, os brasileiros com dinheiro lá fora pagariam menos para regularizar seus ativos –e, mesmo assim, ganhariam perdão por crimes cometidos. Para técnicos, o brasileiro com ativos ilegais no exterior, mesmo não tendo dinheiro suficiente para pagar o imposto e a multa, deveria aderir ao programa para ganhar a anistia de crimes. Segundo eles, seria mais vantajoso tomar um empréstimo e fugir de punições no futuro. Isso porque, em 2018, o Brasil terá acesso automático a dados tributários de 97 países a partir de convênio multilateral de intercâmbio de informações na área. Com isso, lembram técnicos, a Receita terá condições de checar casos de brasileiros com ativos ilegais no exterior. Ou seja, a Receita foi contra mudar a lei por acreditar que os brasileiros não vão querer correr riscos de serem descobertos depois de 2018 e ficarem expostos a processos. Isso, segundo técnicos, deve fazer com que a adesão ao programa, que ainda está fraca, melhore até a data final: 31 de outubro. A expectativa do governo é arrecadar R$ 21 bilhões com o programa. Até agora, dados apontam que a receita não passou de R$ 8 bilhões. VALDO CRUZ MACHADO DA COSTA DE BRASÍLIA Advogados recomendam adesão a programa de repatriação de recursos Apesar das críticas que fazem ao programa aberto neste ano pelo governo para repatriar recursos lícitos mantidos ilegalmente no exterior, advogados aconselham seus clientes a realizar suas declarações à Receita antes do fim do prazo, em outubro. Onze grandes escritórios consultados pela Folha mostram divergências na interpretação da lei e dos esclarecimentos que vêm sendo divulgados pela Receita, mas concordam que a melhor saída será aderir ao programa, pagando 15% de Imposto de Renda e 15% de multa. Há várias reclamações, mas a principal é o cálculo do montante sobre o qual incidirá tais percentuais. "A lei e sua regulamentação não são ruins. Questionáveis são certos entendimentos que vêm sendo adotados pelo fisco, especialmente com relação a bens consumidos parcialmente antes de 31 de dezembro de 2014", diz Hermano Barbosa, sócio do Barbosa, Müssnich, Aragão. O governo tem recebido pressões para que o imposto e a multa sejam aplicados só sobre saldos existentes nas contas dos contribuintes no dia 31 de dezembro de 2014 no exterior. A Receita quer que o tributo incida sobre o valor total que os brasileiros já possuíram no exterior no passado, incluindo os que foram gastos antes dessa data. Embora haja divergências e o governo esteja oscilante em relação a possíveis possíveis mudanças, Ana Utumi, sócia do TozziniFreire Advogados, diz que não aderir pode ser pior. Carlos Orsolon, do Demarest, lembra que "não há expectativa de que um novo programa dessa natureza seja criado no curto ou médio prazo", ou seja, o contribuinte perderá a oportunidade e terá de se sujeitar a alíquotas e multas mais pesadas. "Quem não declara corre o risco de ser pego no futuro com de 27,5% de imposto. A multa passa a 150% do que foi pago de imposto", diz José Andrés Costa, do Chediak Advogados. E fica sujeito a sofrer processos penais por sonegação fiscal, evasão de divisas, lavagem de dinheiro, operação de câmbio ilegal e outras acusações passíveis de prisão. Advogados também concordam que são altas as chances de o fisco descobrir o contribuinte que não declarar. O Brasil já faz parte de um acordo com os Estados Unidos para a troca de informações bancárias e fiscais e está em processo para assinar um acordo multilateral em que passará a integrar uma grande malha fina internacional, segundo Nara Taga, professora da FGV Direito. JOANA CUNHA DE SÃO PAULO
Fonte: FOLHA DE S. PAULO - MERCADO
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